segunda-feira, outubro 02, 2006

Da Petrobras

Recentemente, ouvi uma colocação muito interessante atribuída a um diretor da Petrobras:

- No setor de petróleo, existem alguns tipos diferentes de empresas. Existem as que são bem geridas, existem as que são mal geridas, e existe a Petrobras.

Usarei desta afirmação e de minha liberdade em ser (possivelmente) irresponsável em minhas posições para declarar que não faz mais sentido existir a estatal Petrobras.

Num mundo em que o famoso relatório do Walter Link provou-se incorreto - ou correto, porém obsoleto -, com a indústria brasileira conseguindo produzir petróleo a custo competitivo e em volume superior ao consumo nacional, não há necessidade do Estado ser patrocinador da setor petrolífero. Neste contexto, deixa-se de lado a questão estratégica de investimento no segmento e passa-se a ter a empresa como arrecadadora indireta de impostos para a União. A Petrobras é nossa. Que orgulho.

Entendo, concordo e defendo a tese de que o Estado deve colher os frutos de seu investimento na Petrobras; afinal, uma quantidade colossal de recursos foram direcionados a sua construção - um investimento arriscado ao extremo, especialmente quando se consideram todas as evidências que apontavam para a inexistência de reservas viáveis de petróleo em território brasileiro. O sucesso da prospecção em águas profundas e ultraprofundas deve, naturalmente, gerar retornos para o principal investidor da Petrobras. O Estado merece, por sua atitude empreendedora.

Mas o Estado tem um papel completamente diferente daquele exercido por um acionista comum; sua missão é zelar pelos interesses nacionais, e é de interesse nacional ter o setor petrolífero eficiente e uma Petrobras saneada e competitiva internacionalmente.

No dito acima, pressupus que o Estado é inerentemente incompetente em matéria de gestão empresarial. Empresas estatais são vistas como agentes políticos ao invés de empresas propriamente ditas, incorporando "responsabilidades sociais" incompatíveis com a realidade de mercado. Por força de politicagem e da tradicional visão de curto prazo tupiniquim, transformam-se em cabides de emprego e, baseando-se em sua presença quase exclusiva no mercado brasileiro, conseguem obter um resultado financeiro positivo. De fato, em matéria de administração de empresas, o Estado é um excelente arrecadador de impostos.

Gostaria muito que a União vendesse a Petrobras. É essa, na minha opinião, a melhor forma do Estado aliar retorno sobre seu investimento e compromisso com sua vocação. Seria uma maravilha. Imaginemos as possibilidades que isso poderia abrir para o país. Novamente invocando minha liberdade em ser irresponsável, mostro, pelas seguintes continhas, a beleza de um futuro improvável em que o Estado se livrasse dela.

Hoje por volta das 15:30, o preço das duas ações da Petrobras, Petrobras PN e Petrobras ON, chegou a, respectivamente, R$ 40,84 e R$ 45,21, segundo o InvestShop. De acordo com o site de relacionamento com investidores da Petrobras - www.petrobras.com.br/ri -, existem 2.536.673.672 ações ON, das quais a União detém 55,7%, e 1.849.478.028 ações PN. O valor de mercado da empresa, portanto, ultrapassa os R$ 190 bilhões (pouco menos de 10% do PIB nacional), sendo exatos R$ 63.878.440.308,09 a parcela referente à União por esse dado preço.

Pois bem, digamos que a União realizasse a pulverização do controle que detém da Petrobras, vendendo todas as suas ações da empresa em bolsa. Digamos que, numa operação extremamente burra, ela vendesse essas ações convertendo-as todas nesse exato montante, sem prêmio adicional. Que beleza, quase R$ 64 bilhões nos cofres públicos.

Agora consideremos a dívida pública nacional que, segundo o site do Banco Central, chegou a R$ 1.030.932.989.883,62 em julho passado. Destes, 47,19% (ou R$ 486.450.084.280,18) é indexado à SELIC, cuja meta atual é de 14,25% ao ano - a propósito, taxa substancialmente maior que as cobradas pelas linhas de crédito concedidas pelo FMI. Por ela, paga-se R$ 69 bilhões ao ano em juros. Em nosso leviano exercício mental, isso dá mais de uma Petrobras por ano.

Digamos que todo dinheiro conseguido pela venda da Petrobras fosse revertido na amortização da dívida indexada à SELIC. Teríamos, à taxa atual, a economia de R$ 9,1 bilhões anuais em juros, ou 2,3% da receita do Tesouro Nacional em 2005, ou 5,8% do total de ICMS recolhido em 2005, ou o dobro do orçamento do Ministério da Ciência e Tecnologia para 2006. Pode parecer pouco, mas uma mudança como esta significaria a redução da relação dívida/PIB dos atuais 52,1% para uns 48,9%, permitindo, por exemplo, a redução em 20% da alíquota de ICMS praticada em São Paulo.

Deixamos de considerar receitas do Estado provenientes da Petrobras - e, por esta, me refiro ao repasse de dividendos. Considerando-se que, segundo informa o site da Bovespa, a Petrobras pagou cerca de R$ 20 bilhões em dividendos no período 1994-2004, é uma boa aproximação dizer que o repasse para a União tenha sido de aproximadamente um bilhão de reais anuais. Pois bem, que se faça R$ 8 bilhões economizados, então. Não interessa; a magnitude dos valores é a mesma.

Até aqui pensamos apenas no impacto positivo sobre as contas públicas, desconsiderando-se o ganho em produtividade originado pela transformação da Petrobras em empresa privada. O corpo diretor passaria a ser composto apenas por pessoas tecnicamente competentes, e não mais por políticos ligados ao governo federal, e eventuais funcionários em excesso seriam riscados da folha de pagamentos. O valor da empresa cresceria na medida em que custos fossem cortados e os recursos humanos da empresa se tornassem cada vez mais profissionais. No longo prazo, teríamos uma empresa mais forte, mais produtiva e ainda mais capaz de realizar investimentos.

Puxa, que beleza que seria.